O que ninguém te conta sobre perder uma pessoa

Meu celular toca de madrugada. A minha mente me sugere: “Nesta hora, nunca é boa notícia”. E não era mesmo. Deu um frio inexplicável na espinha. “Alô!”, eu disse com uma angustia na alma. Nunca havia sentido isso antes.

Do outro lado, era a voz do meu tio mais engraçado e divertido, mas dessa vez atipicamente amedrontada. Veio o tiro no meio do peito. Ele contou que seu filho – meu único primo por parte de pai – havia morrido tragicamente. Como somos somente três irmãos e ele na família, era praticamente o caçula da nossa família. Nunca mais a gente ia ver a típica gargalhada escandalosa do nosso Rominho.

Uma curva mal sucedida na estrada jogou aquele rapaz de apenas vinte anos diretamente de frente com um caminhão que vinha na outra pista. Sem chance de sobreviver. (A gente não sabia, mas quando ele estava um pouco estressado, tinha costume de dirigir para acalmar-se. Eu sei, é uma combinação perigosa. Eu teria falado se soubesse disso.)

Talvez você já tenha me ouvido contar essa história em minhas palestras e como isso mudou completamente a minha vida, mas hoje, realmente é um dia que não tem como esquecer. Há quatro anos atrás, aconteceria este que foi, sem dúvida, o pior dia da minha vida.

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Esta imagem acima eu mesmo que fotografei alguns dias antes dele partir. A gente combinou tomar uma caldo de cana no lago da cidade, rimos demais neste dia e eu registrei essa foto. A mesma que tive que imprimir dias depois para colocar sob seu caixão lacrado.

Todo mundo tinha uma história com ele e sua gargalhada escandalosa, os amigos do curso de psicologia fizeram homenagem na formatura, os colegas de trabalho lembravam das suas inúmeras caretas e risadas, os amigos do colégio contaram histórias engraçadas sobre ele, outros amigos contavam-me que ele estava sob muita pressão no trabalho e outras dificuldades pessoais o atingiam. Ele não estava bem.

Eu fiquei dias pensando que mesmo sendo muito próximos, ninguém conseguia ver a angústia dele. Perguntava-me a razão pela qual eu não mesmo consegui notar suas dificuldades e ajudá-lo efetivamente. Eu não tinha uma resposta e estava longe de obtê-la. Na verdade, nunca a terei.

Dalí, em diante, prometi para mim mesmo que não ia deixar mais ninguém passar pela minha vida sem ter algum impacto. Esta foi a maneira que encontrei de trazer um outro significado a minha tragédia pessoal.

Passei a olhar para a vida de uma maneira bem diferente da maioria das pessoas. Como se tivesse virado uma chave na minha alma e mente, como se eu tivesse recebido um choque de realidade tão grande que nada mais na minha vida estava igual antes. E realmente tudo mudou depois.

Passei a observar mais as pessoas a minha volta e procurar entender suas necessidades, a identificar suas tristezas comuns com mais facilidade e oferecer ajuda sem me preocupar com o que vão pensar, afastei minha timidez social e perdi a vergonha de falar sobre mim e sobre tudo que vivo, passei a ser mais sensível para o próximo, a não ter vergonha pública de ajudar pessoas, a não deixar para dizer, fazer, reclamar, agradecer e experimentar depois. Tudo virou emergencial. Era como se a vida tivesse me dito: “Hey, estou aqui agora!”

No entanto, ter mudado a maneira com que encaro a vida, por vezes, me custa muito caro. É bastante comum eu me senti um E.T por onde vou. Aprendi a não ser uma pessoa habitual. Não tenho menor apego com o dinheiro, bens e aquisições, não me importo em passar horas conversando com pessoas de idade, faço tudo que está a meu alcance para contribuir com quem está a minha volta, aprendi nunca ignorar ninguém, a ligar no meio da tarde para trocar uma ideia sem assunto pré-definido, a não hesitar em falar que ama alguém, a não planejar muito meus futuro distante, a escolher fazer piadas o tempo todo, mesmo nos momentos ruins e me divertir com as situações mais complicadas e principalmente, a não me levar tão a sério assim.

Embora pareça que viver dessa maneira é positivo, boa parte das pessoas não entendem esse meu modo de ver a vida. Às vezes, elas me julgam como alguém sem ambição porque eu não tenho interesse em galgar lugares altos em grandes empresas, me acham muito depressivo porque eu simplesmente gosto de tirar sarro da brevidade da vida.

Muita gente jura que sou fútil porque eu troco um papo de política por um meme enviado no Whatsapp, podem ter a impressão de que sou arrogante porque invento todo tipo de desculpa para não frequentar lugares com música alta e de péssima qualidade, não faço questão de estar com gente que não sabe o real valor de um momento compartilhado de vida e naturalmente e esqueço o celular no meio de uma refeição com alguém. Eu prefiro ter momentos de valor com gente que me inspira.

Muita gente não se conforma com o fato de que eu não tenho aproveitado a oportunidade de ter ganho uma relevância e ser um destaque na minha profissão para focar em maneiras de gerar dinheiro e riqueza ou conquistar mais sucesso. Eu prefiro não trocar minha paz por dinheiro.

A maioria das pessoas não entende porque eu não tenho o hábito de viver no meio de gente mediana que tem como mote da sua vida simplesmente estudar muito, trabalhar o dobro do que precisa, alcançar a maior posição da sua empresa, comprar um carro esportivo bem legal para ostentar entre os amigos, adquirir um apartamento bem maior do que precisa. Eu tenho preferido gente comum. Daquelas que invertem a lógica.

A lição que o Rominho me deu ao ir embora para sempre foi que a vida é curta demais. E se a gente não se importar com o que realmente é essencial, estamos apenas vivendo sem razão real. Hoje, depois de tanta tragédias e momentos sem volta, é realmente importante não ser comum.

Por: Murilo Leal





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