Recentemente, a Netflix adicionou ao seu catálogo a tão aguardada adaptação de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez. A obra, considerada um marco do realismo mágico e da literatura mundial, finalmente ganhou vida na televisão.
Contudo, o processo de adaptação não foi simples. Foi um grande desafio preservar a essência do romance e também, por conta das preocupações do autor, que durante décadas recusou ceder os direitos para adaptação.
O desafio de retratar Macondo e os Buendía
Gabriel García Márquez tinha hesitação em adaptar “Cem Anos de Solidão” por temer que os leitores perdessem a liberdade de imaginar os rostos e personalidades dos icônicos personagens.
Segundo ele, “prefiro que meus leitores continuem imaginando os meus personagens”.
No entanto, após sua morte em 2014, seus filhos, Rodrigo e Gonzalo García Barcha, decidiram ceder os direitos para a Netflix. Dessa maneira, eles firmaram a exigência de que a produção tinha que ser totalmente colombiana, tanto no elenco quanto nas locações.
Portanto, a Netflix investiu cerca de R$298 milhões na adaptação, que incluiu a construção de uma versão física do mítico povoado de Macondo. A reprodução buscou fidelidade ao contexto cultural e histórico descrito no romance, com foco nas tradições colombianas entre os séculos XIX e XX.
Elenco e realismo mágico
Um dos pontos mais delicados desse processo foi a escolha do roteiro. Como dar rostos aos personagens que viveram na imaginação de leitores por mais de 50 anos?
Contudo, após uma busca extensa por talentos em toda a Colômbia, atores como Claudio Cataño (coronel Aureliano Buendía), Marleyda Soto Ríos (Úrsula Iguarán) e Diego Vásquez (José Arcadio Buendía) foram escalados para os papéis principais.
De acordo com uma das diretoras da série, Laura Mora, o objetivo foi criar uma conexão autêntica com os personagens. “Buscamos um elenco que desse vida, materialidade e alma aos Buendía. Respeitamos o romance e procuramos ser justos com sua essência.”
Outro fator desafiador foi a incorporação do realismo mágico sem comprometer a autenticidade. Cenas icônicas, como a chuva de flores amarelas e a levitação do padre, foram recriadas com efeitos práticos em vez de CGI.
Por exemplo, a chuva foi feita com uma combinação de flores reais e de plástico, e a levitação usou cabos removidos na pós-produção.
Dessa forma, aproximando a série do tom mágico e poético do livro, sem exagerar no uso de efeitos digitais que poderiam destoar da narrativa original.
Recepção da crítica e do público
A série conta com oito episódios de uma cada, e uma segunda temporada já está confirmada. Contudo, a reação do público e dos críticos foram mistas.
Muitos elogiaram a beleza visual e a fidelidade a cenas memoráveis, como o fio de sangue que serpenteia até Úrsula Iguarán e a morte de José Arcadio. Dessa maneira, Jack Seale, do The Guardian, destacou que a série oferece “maravilhas suficientemente distorcidas para valer a pena revisitar Macondo”.
Porém, outros criticaram a adaptação. A escritora colombiana Carolina Sanín afirmou que a série “diminui o livro” e pode prejudicar uma leitura mais profunda da obra.
“Assistir à série, se não se leu o livro, sim, atrofia a possibilidade de depois ler o livro de forma profunda, rica e complexa. A série estreita, diminui, determina o livro. Então, tampouco é verdade que ‘aproxima’ alguém da obra. Ela afasta”, escreveu.
Mesmo com opiniões divergentes, a série promete ser um marco para os fãs de Gabriel García Márquez e para novos espectadores. Segundo Rodrigo García, filho do autor e produtor executivo, “Gabo estaria assistindo à série, sem dúvida.”
“É uma experiência diferente e deve ser apreciada pelo que é, sem comparar constantemente com o livro. Para mim, são projetos-irmãos que se complementam”, disse ele durante a estreia da série.
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