É curioso quando reparo que, mesmo perfurando na mais longínqua e velha memória, a ultima coisa que recordo foi o dia em que partiste.
Curioso pela inocência daquela idade, e pela maneira detalhada como esse dia marcou. Mais curioso porque adormeci no tempo. Não me recordo de dias posteriores, nem como lidei com a tua ausência durante anos.
Agora passaram 15 anos, e em 15 anos o mesmo nos separa, um oceano extenso e suficiente para quebrar o que podíamos ter de melhor.
Mais fácil será falar do que nos une: uma genética, uns simples cromossomas que herdei de ti, e uma lei da vida que nos separou por decisões que tomaste.
Sim, falo de ti, Pai.
Quero partilhar contigo aquele dia, algures em 1995, aquele dia, que talvez eu me lembre melhor que tu, o dia em que me prometeste voltar, o dia em que fugiste. Lembro, jazia num terraço, em casa dos avós, quando chegaste numa carrinha vermelha e vieste ter comigo.
Disseste “O pai vai para Lisboa mas volta, e traz-te (algo que queria muito) “. Espantoso como o meu sorriso desmoronou assim que te vi chorar. Espantosa preocupação para uma criança de cinco anos. Espantosa forma como a tua mãe chorava, como choravam os dois. Espantosa e inocente forma como comecei a chorar, sem saber porquê. Partiste.
A avó dizia-te adeus num abanar tremido e num choro soluçado.
Eu imitava, desconhecendo a razão.
Não sei ao certo quanto tempo depois me conformei com a realidade. E a realidade era que tinha um pai, do outro lado do oceano, num tal pais chamado de Estados Unidos, cujos motivos para os quais não me visitava eu desconhecia. Não mentiste de todo. Foste a Lisboa, apanhar um avião.
Só não voltaste.
Ontem, não propriamente ontem, mas na manhã de 6 de Setembro 2010 liguei-te a desejar os parabéns. Foi ai que me lembrei da tua idade. E o que me custa é saber que os anos vão passando e eu mal sei quem és.
Não te condeno por me teres deixado sozinho com a mãe, por teres fugido com outra mulher, ou simplesmente por teres procurado a felicidade algures numa aventura, por teres criado outra família, por te teres casado novamente, por me teres dado dois irmãos ou por teres ficado por ai.
Condeno a forma como somos distantes, como nunca dizemos o que queremos, como nunca me perguntaste se eu necessitava alguma coisa, como te diriges a mim pelos outros, como me vês pelo que dizem, como se tivesses medo que algum dia eu te diga, insensível, que me abandonaste ou te questione porque não me levaste contigo.
Sei que tens muito para me dizer, que as palavras te arranham quando me falas, que sou mais, muito mais do que o produto de um projecto falhado.
Se pensares novamente em partir, desta vez leva-me contigo, antes que o amanha nos leve, a um de nós, num adeus eterno.
Vem, vamos explicar ao mundo que o que nos separa também nos une.
Amo-te, Pai.
Por: Gonçalo S. Neves