Locomotivas da vida

Vejo aquelas velhinhas na sala, cada uma dentro de seu próprio – e muito fácil de se imaginar, limitado e dependente – mundo, isoladamente unidas por um mal comum: a falência da máquina humana!

Sim, pois somos como trens, que vêm e vão sobre os trilhos da vida, carregando seus fardos até chegar à última estação. Vez ou outra a estrada se bifurca, ou temos que parar para manutenção ou por causa de alguma pedra no caminho.

E agora vejo estas senhoras, antigas locomotivas da vida, em suas poltronas, cada uma no seu mundo particular e impenetrável. Presto atenção ao que cada uma delas, repetidamente, faz.

Uma, a única que ousa travar um contato com o mundo exterior, diz frases soltas para meu filho: “Ele sabe tudo!”; “Tá tudo aqui.” – diz ela, apontando para a cabeça; “Ele vai dar aula”; “Ele não está gostando.” Certamente não está. Não é um ambiente agradável para uma criança. A mim já me gera angústia.

Continuo a observar enquanto aguardo.

Outra parece tristonha ou com dor de cabeça. Parece pensar no passado… Que doces ou amargas lembranças passariam por aquela mente, apoiada numa das mãos? Outra rumina incessantemente o nada enquanto esfrega vez ou outra as mãos. Pés aquecidos pelas meias. Um deles com chinelo. O outro chinelo repousa no chão aguardando o pé, que jamais virá prová-lo sem alguma ajuda.

A cena me fez lembrar de uma vez, quando criança, em que visitei uma dessas casas, possivelmente para uma internação de uma tia da minha mãe. Não esqueço da cena de uma senhora que insistia em apanhar do chão um objeto imaginário. Repetidas vezes ela pegava e tornava a pegar “aquilo”. O que será que tanto a incomodava? Sem dúvida, foi a repetição que me fez guardar esta cena na memória.

Mas a vida se repete.

E aqui estou eu de novo. Outra casa, outras pessoas, outras repetições, outro eu. Observo e reflito, já que estou muito mais próximo do destino do que quando pequeno, em começo de jornada.

Aguardo minha mãe terminar o banho. Findo, elas a trazem para a sala. Que bom que lembrou do meu filho! E de mim: “O menor é meu neto!. O outro é meu filho.” Travamos o diálogo que foi possível. Novamente a repetição. Falou das senhoras que ali estavam: “Essa daí se mete em tudo!”; “Aquela ali só dorme…”. Reclamou do banho que era muito rápido, falou do cachorrinho dela, do qual não recordava a cor que tinha.

Resumindo, visitei sua cidade, o lugar onde estava morando. Jamais haveria um lugar perfeito para ela, talvez no final da viagem. Torço para que seja um lugar maravilhoso, onde ela possa voltar a abraçar sua mãe, perdida em tenra idade, e que finalmente volte a sorrir.

Desci na próxima estação.

Ela seguiu lentamente sua viagem, talvez sem saber de onde vinha ou para onde ia, em que estação desceria. Para mim ficou a nítida sensação de que ela jamais desceria na mesma estação que eu. Ela e todas aquelas velhinhas, unidas pela solidão. Em pouco tempo, minha visita poderia ser o auxiliar pedindo a passagem, alguém vendendo doces, ou até mesmo o reencontro casual com um dos filhos.

Mas segue o trem, incansável, repetindo o mesmo caminho, as mesmas paisagens, os mesmos sons…

Até a última estação.

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Por: Angelo Asson





Relaxa, dá largas à tua imaginação, identifica-te!