Eu deixei tudo que eu amava para trás, juro. Da janela do avião, vi se tornarem pequeninos os grandes planos que eu havia depositado em cada lugar numa velocidade contrária a minha coragem. Àquela altura não havia como desistir. Àquela distância eu já não cabia naquelas casinhas, naquela vidinha. E quando me perdi na imensidão azul, me senti só como nunca havia me sentido antes. Chorei de medo como nunca havia chorado antes. Eu não queria ser esquecida, ser substituída. Temi não ter dito o bastante, não ter amado o suficiente. Temi ter me coberto de orgulho ao invés de ter feito as pazes com o perdão. Temi ter dado as costas a quem tanto se esforçou para estar ao meu lado. Temi sentir falta. Nunca fui páreo para a saudade.
Dormi em camas que recontavam outras histórias, me enrolei aos sonhos de outra gente. Virei noites paralisada à beira da janela de outras vidas. Por um tempo, desejei voltar para casa e, pouco a pouco, percebi que já não conseguia listar o que era familiar. Achei ter me perdido, me senti vazia, desamparada. Tentei ser forte e desencadeei um colapso nervoso. Minha ansiedade exigia respostas enquanto meu coração implorava por paz. A loucura é como areia movediça, se você se desespera ela te engole. Tentei de tudo, e nada mais em mim se completava. O jogo não vira pra quem não se vira, aprendi isso.
“Tudo me exigia um esforço imenso e eu não sabia de onde tirar forças.”
Inventei uma porção de histórias tentando me justificar pra estranhos. E melhorei bastante com o tempo, eu mesma cheguei a acreditar nelas. Mas quando me perguntavam o porquê, eu não sabia o que responder. Criei tantas verdades que me afastei da realidade. Tive noites tão difíceis que se arrastaram por dias. Abusei dos tarja-preta, perdi peso, não consegui comer, falar ou andar. Tudo me exigia um esforço imenso e eu não sabia de onde tirar forças. Passei dias inteiros na cama, não bebia nem água, exceto para tomar mais um remedinho. Ou quatro. Quanto tentei me levantar tremi muito, fiquei tonta ao olhar pra baixo, senti minhas pernas dormentes e muita dor de cabeça. Quis dizer, diversas vezes, a quem estivesse ao meu lado que a qualquer momento eu iria desmaiar. Sentia isso, sabia disso. Não seria a primeira vez. Mas ninguém me entendia. Era grave, mas ninguém podia ver. Uma doença invisível não tem a mesma credibilidade. Sofri em silencio para o caso de ser simplesmente loucura. Não seria a primeira vez também.
Achei, sinceramente, que fosse morrer. Minha mente estava tentando matar o meu corpo. Eu havia perdido o controle de mim. Foi quando, deitada na cama de pernas pra cima, senti meu coração acelerar tanto que me faltou ar e pensei em todas as pessoas que eu amava e naquelas que se inspiravam em mim. Então, percebi que não queria morrer de verdade. Eu estava exausta de tentar, exaurida de esperança pra recomeçar. Eu só queria uma colher de chá da Vida, mas não queria morrer de verdade.
“Passei a minha vida inteira me perguntando quais seriam minhas últimas palavras
Eu deixei tudo que eu amava para trás; um sacrifício sem mérito e egoísta, no entanto, necessário. Eu também precisava de mim. “Que pena, era tão jovem” não faz jus ao meu constante drama pseudo-intelectual. Passei a minha vida inteira me perguntando quais seriam minhas últimas palavras e decidi deixar por escrito a melhor carta de todos os tempos que justificasse toda a minha jornada. Entretanto, nunca a escrevi. Fiz um trato com o universo e minhas últimas palavras foram “Se eu sair dessa, não faço isso de novo”.
Eu deixei tudo que eu amava para trás, passei do meu limite, jurei que não aguentava mais. Mas ainda estou aqui. Porque, de maneira lunática e por vezes destrutiva, eu me amo. Não se pode dar as costas a si mesmo, isso é seguir em frente apenas em outra direção. Porque não importa quantas vezes desista, quantas perdas traga no peito, quanta saudade lhe sufoque a garganta: ninguém está contando os pontos. O Universo não vai se compadecer de ti, Deus não vai te enviar sinais, o sol não vai esfriar… Se você está vivo, então você tem que continuar. Eu não estou 100% bem, talvez nunca esteja. Sinto-me numa batalha oculta todos os dias. Faz parte. Chorei de alívio ao encarar a janela que vai ser minha vista pelos próximos três meses. Sozinha. Não quero mais criar expectativas, mas de certa forma, eu já venci.
P.s: Não desisti da carta, não. Só descobri que tenho tempo.