Numa entrevista feita através de email pelo escritor e jornalista britânico Austen Ivereigh, o Papa Francisco falou pela primeira vez sobre a crise mundial provocada pela pandemia do coronavirus, revelando como está a viver o período de isolamento, analisando as políticas públicas e falando como nos devemos preparar para quando esta crise acabar.
A entrevista foi publicado por quatro jornais diferentes – The Tablet (Londres), Commonweal (Nova York), La Civiltà Cattlolica (Roma) e ABC (Espanha) – no dia 8 de Abril, começando com uma descrição do isolamento social no Vaticano:
“Aqui na Casa Santa Marta foram estabelecidos turnos de refeições, [para que não haja aglomerações]. Cada um trabalha de seu escritório ou de seus quartos com as ferramentas digitais.
Todo mundo está trabalhando, aqui ninguém fica no ócio. Como eu vivo espiritualmente? Eu rezo mais, porque creio que devo fazer isso, e penso nas pessoas. As pessoas são algo com que eu me preocupo. Pensar nas pessoas me unge, me faz bem, me tira do egoísmo (…).
Penso nas minhas responsabilidades de agora e de depois. Qual vai ser meu serviço como Bispo de Roma, como chefe da Igreja? Este depois já começou a mostrar que será um depois trágico, um depois doloroso, por isso convém pensar desde agora.
Foi montada uma comissão do Dicastério do Desenvolvimento Integral que trabalha nisso e se reúne comigo. Minha grande preocupação – ao menos a que sinto em oração – é como acompanhar o povo de Deus e estar mais perto dele.
Este é o significado da missa das sete da manhã em streaming (…). Estou vivendo este momento com muita incerteza. É um momento de muita inventiva, de criatividade”.
O pontífice reconheceu que “não é fácil ficar trancado em casa”, mas disse que isso é importante para nos prepararmos para o “depois” da crise:
“Preparem-se para tempos melhores, porque nestes tempos lembrar isso que temos passado nos ajudará. Cuidem-se para um futuro que está por vir. E quando ele chegar, lembrar o que se passou lhes fará bem. Cuide do agora, mas para o amanhã.”
O Santo Padre também falou sobre políticas públicas em resposta ao vírus e como as pessoas são sacrificadas pelo dinheiro. Ele afirmou que alguns governos adotaram medidas para proteger populações vulneráveis. Mas, acrescentou:
“Estamos percebendo que todo o nosso pensamento, gostemos ou não, foi moldado em torno da economia. No mundo das finanças, parece normal sacrificar [pessoas], praticar uma política da cultura do descarte, do começo ao fim da vida. (…) Esta crise afeta a todos: ricos e pobres.
É uma chamada de atenção contra a hipocrisia. Eu me preocupo com a hipocrisia de certos personagens políticos que falam de juntar-se à crise, que falam da fome no mundo e enquanto isso fabricam armas. Este é o momento de nos convertermos dessa hipocrisia funciona. É um tempo de coerência. Ou somos coerentes ou perdemos tudo”.
O Santo Padre citou autores clássicos como Virgílio, Dostoiévski e Manzoni para refletir sobre o processo de conversão e as oportunidades em meio à crise do coronavírus:
“Toda crise é um perigo, mas também é uma oportunidade. É a oportunidade de sair do perigo. Hoje, creio que temos que desacelerar um determinado ritmo de consumo e de produção (Laudato sí, 191) e aprender a compreender e a contemplar a natureza. E a reconectarmos com nosso entorno real. Esta é uma oportunidade de conversão. Sim, vejo sinais iniciais de conversão para uma economia menos líquida, mais humana.”
O Papa também mostrou sua solidariedade aos trabalhadores dos serviços essenciais:
“São heróis! Médicos, religiosas, sacerdotes, operários que cumprem com deveres para que a sociedade funcione. Quantos médios e enfermeiros morreram! Quantos sacerdotes, quantas religiosas morreram! Servindo…”
Por fim, Francisco observou:
“As pessoas que ficaram pobres por causa da crise são os despojados de hoje que se somam aos despojados de sempre, homens e mulheres que carregam ‘despojado’ como estado civil. Perderam tudo ou estão perdendo tudo. Qual é sentido para mim, hoje, perder tudo à luz do Evangelho? Entrar no mundo dos “despojados”, entender que os que antes tinham agora não têm mais. O que peço às pessoas é para que cuidem dos idosos e dos jovens. Cuidem da história. Cuidem destes despojados”.
Fonte: Aleteia
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