Saudade é um sentir que atinge principalmente os corações que cultivam apreço pelas coisas vividas. Mário Quintana disse que “a saudade é o que faz as coisas pararem no Tempo.” Mas só vale a pena se isso for feito de um jeito bom, é claro.
O fato é que ela tem um poder encantador de nos transportar para dentro de nós, de volta para o que já nos pertenceu um dia, mas que agora parece distante demais.
A saudade tem sono leve, levíssimo, e muitas coisas a fazem despertar dentro da gente: o barulho suave da chuva caindo lá fora, descanso no banco da varanda, um travesseiro macio no fim do dia, momentos de reflexão solitária.
Às vezes ela desperta calma e silenciosa, quase sorridente.
E de repente nos traz aquelas lembranças boas: o cheiro da comidinha da vó que não está mais entre nós; os natais e festas em famílias; os amigos que viraram pássaros e decidiram migrar para longe de nós; saudade do tempo em que éramos felizes e não sabíamos, ou pelo menos achávamos que fosse assim.
Por vezes gostaríamos que a saudade tivesse poder de máquina do tempo, e nos levasse até aquele momento, ou àquele alguém que ficou para trás, mesmo que fosse para uma última vez.
Mas se for mal acordada, ela pode ser um turbilhão capaz de nos deixar desatinados. Porque nem sempre a saudade nos remete a momentos felizes, ainda que isso devesse ser via de regra. Algumas lembranças causam dor, pois armazenamos com elas todos os traumas, medos e decepções sofridos, embora saibamos que não devíamos deixá-los irem tão fundo, dentro de nós.
É uma pena dizer que nem todos sabem ser saudosos.
Tem gente que se despedaça demais diante de uma lembrança. E acaba ficando difícil colar os cacos, porque a pessoa vive se quebrando, cada vez que a saudade desperta dentro dela.
Essa saudade doída precisa ser curada e o tempo é um dos aliados nesse processo. Conforme avança, ele tem o poder de recolorir as memórias. E vai tornando-se desnecessário fugir a cada lembrança; aprendemos a conviver pacificamente com elas.
Em casos mais extremos, existe a possiblidade de assumir que passado é passado e que se ele causa dor, pode permanecer em sono profundo, sem necessidade de despertar.
Mas se as lembranças são queridas, dos tempos idos de escola, daquele primeiro amor com ares de inocência, das escaladas em árvores e brincadeiras de roda, ou outras memórias que sejam gostosas de guardar, deixe que despertem de vez em quando. Elas sempre trazem um pouquinho de felicidade quando acordam.
Rubem Alves ensinou que “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”. Que ela nos leve para nossas melhores lembranças e depois, que adormeça para desfrutarmos melhor o tempo presente.
Já sabemos que a saudade tem sono leve e logo, logo despertará novamente.
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